“Quando a gente se depara com a cena do que aconteceu, é muito triste, mas a gente tem que ser forte e seguir”, disse emocionada Uruba Pataxó em discurso feito durante o lançamento do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2022. A vice-cacica da aldeia-mãe Barra Velha se referia à cena do vídeo apresentado durante o evento, em que Candara Pataxó, sua companheira de luta, mostra o lugar e descreve a forma brutal como seu filho, Gustavo Silva da Conceição, de 14 anos, foi assassinado.
O assassinato de Gustavo integra os 180 casos de indígenas assassinados no Brasil no ano de 2022 e, segundo o Relatório do Cimi, representa uma das nove ocorrências de homicídio contra indígenas no estado da Bahia.
O garoto, morto com um tiro na nuca, foi uma das vítimas do ataque ocorrido em setembro do ano passado, na aldeia Vale rio Cahy. A aldeia, que foi retomada pelos Pataxó após invasão de fazendeiros da localidade, integra a Terra Indígena (TI) Comexatibá, que aguarda desde 2015, quando foi identificada, a resposta da Funai às contestações de fazendeiros locais.
De igual modo, Uruba precisou ser forte e seguir quando, meses depois, em janeiro desse ano, dois jovens de seu povo foram assassinados. “Estão matando o nosso povo”, dizia indignada ao contar do assassinato de Nauí Brito de Jesus, de 16 anos, e Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos. Ambos foram perseguidos e executados por pistoleiros, a mando de fazendeiros da região, na rodovia BR-101, próximo ao distrito de Montinho, no município de Itabela, Extremo Sul da Bahia.
Samuel e Nauí estavam voltando para uma das áreas retomadas pelos Pataxó, cujo território foi invadido por proprietários das fazendas Condessa e Veneza. Ambas as propriedades estão localizadas dentro dos limites da TI Barra Velha do Monte Pascoal, que aguarda desde 2009 a emissão da portaria declaratória para sua demarcação.
A violência, contudo, não é resultado apenas dos conflitos territoriais. “Ela está na saúde, na educação. A gente indígena começa a sofrer lá dentro do útero da nossa mãe, quando nasce, pela falta de assistência à saúde, pelo preconceito, pela discriminação. A violência está rodeando a gente de todos os lados”, relata Uruba.
A memória da violência, que vem desde o útero, como relata Uruba é fruto de conflitos territoriais que remontam o período colonial, mas que tem se agravado nos últimos anos com a invasão do território Pataxó por fazendeiros, empresas de eucalipto, e empreendimentos turísticos e imobiliários. Os ataques ao povo Pataxó, sobretudo à sua juventude, tem aumentado com a resistência e as retomadas iniciadas em junho de 2022, quando os Pataxó deu início ao processo de autodemarcação de seu território.
Ao mesmo tempo que é desde o útero que nasce o sofrimento do povo indígena, é desde o ventre que germina a força e a luta Pataxó. Porque “quando matam um indígena, nascem dez guerreiros para a luta, e a gente jamais vai desistir do nosso território”. É mobilizada por essa força que Uruba, junto a seu povo, avança com a retomada de seu território e insurge contra a tentativa de espólio de suas terras.
Dada a morosidade da demarcação das terras indígenas e a ameaça do marco temporal, Uruba se manifesta contra a tese que busca despojá-los de suas terras. Para ela, “é uma forma de extermínio dos povos indígenas”.